domingo, 24 de agosto de 2014

Etapa 6: Vila Real de Santo António - Cabanas de Tavira

Vila Real de Santo António – Cabanas de Tavira = 18,1 km

Total Etapa 6 = 18,1 km

Circular de noite pela ciclo via entre Vila Real de Santo António tem dois desafios de monta:
- a atenção necessária à entrada/saída de viaturas, que como referi antes, são autênticos quebra-cabeças, pelo desnível com que foram feitos;
- a atenção necessária às pessoas que caminham e que pedalam, na generalidade sem qualquer sinalização.

Acresce, o cuidado com os carros, que vindo em sentido contrário (a ciclo via está construída de frente para o trânsito), podem sempre tomar a decisão de encostar ou entrar sem sinalização numa habitação ou saída, e tornar a viagem mais complicada.
Faltavam dezoito quilómetros para fechar a aventura. Não queria que nada a detivesse antes de tempo. Com todo o cuidado e ciente do avanço de 1h40m face ao que me tinha proposto como plano, segui bem disposto e sem grande pressa.

Ainda me cruzei com dois jovens ciclistas que de chinela no pé devem ter achado ridículo alguém andar tão iluminado em cima de uma bicicleta e quando nos cruzámos, passados segundos, voltaram e deram-me um bigode. Durou pouco o sprint, pois mais à frente voltei a passa-los e estavam encostados à berma J.

Chegava o final da ciclo via e chegavam também os maiores problemas deste troço. Numa rotunda com uma bomba da BP a iluminar bem a estrada sigo no sentido de Altura. É um segmento com bastantes buracos, talvez uns dois ou três quilómetros infernais, sem berma, muito perigosos.

Como é possível que no espaço de tantos anos, sendo a EN 125 uma das mais concorridas turisticamente e que, por mais autoestradas que se façam, é a via de acesso aos locais onde os turistas desejam ir, não exista uma estratégia, um plano, um conjunto de ações, para deixar esta rodovia em condições? Como é possível que, ano após ano,  os buracos floresçam, o risco aumente para condutores e ciclistas, o espetáculo de degradação persista ?

Chegado a Altura, meia dúzia de metros com berma e duas rotundas e volta a estrada sem berma e cheia de buracos. Sendo 6ªf d enoite, circulavam bastantes carros e foi com muito cuidado que me fui aproximando e passando as várias povoações. Estava perto, muito perto do objetivo, do destino e do final da aventura. Passando as saídas para a Manta Rota e Vila Nova de Cacela, sem sustos, eis-me a subir pequenas oscilações na estrada, que um há um ano pareciam difíceis e que agora eram apenas um pouco de estrada menos plana.

Entre a saída para Cacela Velha e a Conceição de Tavira, um restaurante bastante iluminado, outrora um espaço multiusos que havia sido uma discoteca, um stand de automóveis, entre outras possíveis atividades, anunciava o Chiken Piri-Piri. Lá dentro meia dúzia de mesas deviam estar a degustar frango, presumo, altamente picante. Tentador, sem dúvida, mas agora faltavam meia dúzia de quilómetros, não era tempo para abrandar. Aumentei o ritmo, fiz-me à leve descida para a zona da Conceição de Tavira e com a rotunda à vista soube que já nada de menos bom iria acontecer, a mim ou à bicicleta. Radiante virei para Cabanas.

A descida, aquela até à passagem do comboio, a que sempre fiz de carro ou de autocarro, ou de bicicleta em trajetos curtos de férias, era agora a passadeira para chegar ao meu poiso, à minha gente. Mais obras, mais cuidado, uns quantos carros e chega a placa de Cabanas de Tavira. Faltavam poucos minutos até chegar a casa. Emocionado, acredito que todo o meu corpo sorria, seria um sorriso único, compactado. A última subida, a viragem à esquerda e após o aglomerado de prédios da urbanização próxima de casa, lá estava o portão.

E lá de dentro vinham vozes. Eram 23h54m. Dezoito hora e nove minutos após ter saído de casa em Lisboa, eis-me chegado. Duas horas menos do que planeara. Parei a escassos vinte e cinco metros de casa. Debaixo de um candeeiro inspirei a realização total, o sentimento do objetivo cumprido. Enviei as mensagens para os Amigos que durante o dia tinham dado o apoio e o incentivo, tão importantes. Olhei o céu Algarvio e senti o calor, o vento quente, o conforto da chegada.

A chegada, sempre ponto de conforto, sempre um ponto de uma nova partida, sempre, sempre, o momento único, fugaz, que se esvai num segundo, da felicidade total. Desta feita foi ali, debaixo de um candeeiro, comigo, como durante toda a viagem, em Cabanas de Tavira. Mais uma vez aí, após mais de quarente anos de conhecimento mútuo e de partilha de bons e menos bons momentos. A minha segunda terra, a primeira nas raízes.

Assim que me aproximei do portão, breves minutos depois, os sorrisos, os abraços, a festa tomaram conta de todos. A aventura começou a ser contada, os episódios iriam estender-se pelos dias seguintes. Antes de comer ainda foi necessário alongar, esse imperativo para que o depois fosse menos custoso.

Fisicamente estava ótimo, pernas muito bem, traseiro muito bem, tronco e pescoço ligeiramente tensos mas bem, disposição em alta.

Após petiscar, meti-me debaixo do duche exterior. Esperava água gelada mas devia vir tão aquecido que sentia a água morna. Revigorado senti que este era o segundo melhor duche da minha vida, após o primeiro, tantos anos antes no Hospital de Santa Maria.

Das lições aprendidas falarei num novo post.


As aventuras são assim, dão-nos um sentimento de felicidade e de realização e apontam desde logo para o depois, dado que o presente nunca existe. O que vale mesmo, pese o lugar comum, é o caminho, a decisão de dar o primeiro passo, todo o processo de planeamento e preparação, toda a excitação de conhecer o novo, viver o desconhecido, experienciar para partilhar, para contar, para sentir.

1 comentário:

joseteles.martins disse...

Grande aventura! Parabéns. As etapas 4 e 5 só ao ler já assustam