Vila Real de
Santo António – Cabanas de Tavira = 18,1 km
Total Etapa 6 = 18,1 km
Circular de noite pela ciclo via
entre Vila Real de Santo António tem dois desafios de monta:
- a atenção necessária à
entrada/saída de viaturas, que como referi antes, são autênticos
quebra-cabeças, pelo desnível com que foram feitos;
- a atenção necessária às pessoas
que caminham e que pedalam, na generalidade sem qualquer sinalização.
Acresce, o cuidado com os carros,
que vindo em sentido contrário (a ciclo via está construída de frente para o
trânsito), podem sempre tomar a decisão de encostar ou entrar sem sinalização
numa habitação ou saída, e tornar a viagem mais complicada.
Faltavam dezoito quilómetros para
fechar a aventura. Não queria que nada a detivesse antes de tempo. Com todo o
cuidado e ciente do avanço de 1h40m face ao que me tinha proposto como plano,
segui bem disposto e sem grande pressa.
Ainda me cruzei com dois jovens
ciclistas que de chinela no pé devem ter achado ridículo alguém andar tão
iluminado em cima de uma bicicleta e quando nos cruzámos, passados segundos,
voltaram e deram-me um bigode. Durou pouco o sprint, pois mais à frente voltei
a passa-los e estavam encostados à berma J.
Chegava o final da ciclo via e chegavam
também os maiores problemas deste troço. Numa rotunda com uma bomba da BP a
iluminar bem a estrada sigo no sentido de Altura. É um segmento com bastantes
buracos, talvez uns dois ou três quilómetros infernais, sem berma, muito
perigosos.
Como é possível que no espaço de
tantos anos, sendo a EN 125 uma das mais concorridas turisticamente e que, por
mais autoestradas que se façam, é a via de acesso aos locais onde os turistas
desejam ir, não exista uma estratégia, um plano, um conjunto de ações, para deixar
esta rodovia em condições? Como é possível que, ano após ano, os buracos floresçam, o risco aumente para
condutores e ciclistas, o espetáculo de degradação persista ?
Chegado a Altura, meia dúzia de
metros com berma e duas rotundas e volta a estrada sem berma e cheia de buracos.
Sendo 6ªf d enoite, circulavam bastantes carros e foi com muito cuidado que me
fui aproximando e passando as várias povoações. Estava perto, muito perto do
objetivo, do destino e do final da aventura. Passando as saídas para a Manta
Rota e Vila Nova de Cacela, sem sustos, eis-me a subir pequenas oscilações na
estrada, que um há um ano pareciam difíceis e que agora eram apenas um pouco de
estrada menos plana.
Entre a saída para Cacela Velha e
a Conceição de Tavira, um restaurante bastante iluminado, outrora um espaço multiusos
que havia sido uma discoteca, um stand de automóveis, entre outras possíveis
atividades, anunciava o Chiken Piri-Piri. Lá dentro meia dúzia de mesas deviam
estar a degustar frango, presumo, altamente picante. Tentador, sem dúvida, mas
agora faltavam meia dúzia de quilómetros, não era tempo para abrandar. Aumentei
o ritmo, fiz-me à leve descida para a zona da Conceição de Tavira e com a
rotunda à vista soube que já nada de menos bom iria acontecer, a mim ou à
bicicleta. Radiante virei para Cabanas.
A descida, aquela até à passagem
do comboio, a que sempre fiz de carro ou de autocarro, ou de bicicleta em
trajetos curtos de férias, era agora a passadeira para chegar ao meu poiso, à
minha gente. Mais obras, mais cuidado, uns quantos carros e chega a placa de
Cabanas de Tavira. Faltavam poucos minutos até chegar a casa. Emocionado,
acredito que todo o meu corpo sorria, seria um sorriso único, compactado. A última
subida, a viragem à esquerda e após o aglomerado de prédios da urbanização
próxima de casa, lá estava o portão.
E lá de dentro vinham vozes. Eram
23h54m. Dezoito hora e nove minutos após ter saído de casa em Lisboa, eis-me
chegado. Duas horas menos do que planeara. Parei a escassos vinte e cinco metros
de casa. Debaixo de um candeeiro inspirei a realização total, o sentimento do
objetivo cumprido. Enviei as mensagens para os Amigos que durante o dia tinham
dado o apoio e o incentivo, tão importantes. Olhei o céu Algarvio e senti o calor,
o vento quente, o conforto da chegada.
A chegada, sempre ponto de
conforto, sempre um ponto de uma nova partida, sempre, sempre, o momento único,
fugaz, que se esvai num segundo, da felicidade total. Desta feita foi ali,
debaixo de um candeeiro, comigo, como durante toda a viagem, em Cabanas de
Tavira. Mais uma vez aí, após mais de quarente anos de conhecimento mútuo e de
partilha de bons e menos bons momentos. A minha segunda terra, a primeira nas
raízes.
Assim que me aproximei do portão,
breves minutos depois, os sorrisos, os abraços, a festa tomaram conta de todos.
A aventura começou a ser contada, os episódios iriam estender-se pelos dias
seguintes. Antes de comer ainda foi necessário alongar, esse imperativo para
que o depois fosse menos custoso.
Fisicamente estava ótimo, pernas
muito bem, traseiro muito bem, tronco e pescoço ligeiramente tensos mas bem,
disposição em alta.
Após petiscar, meti-me debaixo do
duche exterior. Esperava água gelada mas devia vir tão aquecido que sentia a
água morna. Revigorado senti que este era o segundo melhor duche da minha vida,
após o primeiro, tantos anos antes no Hospital de Santa Maria.
Das lições aprendidas falarei num
novo post.
As aventuras são assim, dão-nos
um sentimento de felicidade e de realização e apontam desde logo para o depois,
dado que o presente nunca existe. O que vale mesmo, pese o lugar comum, é o
caminho, a decisão de dar o primeiro passo, todo o processo de planeamento e
preparação, toda a excitação de conhecer o novo, viver o desconhecido,
experienciar para partilhar, para contar, para sentir.
1 comentário:
Grande aventura! Parabéns. As etapas 4 e 5 só ao ler já assustam
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