terça-feira, 5 de agosto de 2014

Etapa 2: Troia - Canal Caveira

Troia – Canal Caveira = 56,1 km

Total Etapa 2 = 56,1 km

Após o descanso e enchimento durante a viagem no ferry, saí em Troia revigorado e pronto a dar forte no andamento. Arranquei pelas 9h10m, menos 1h20m do que a saída inicialmente prevista a partir de Troia o que era um bom sinal, sobretudo porque poderia evitar mais calor na zona do Alentejo profundo. Não deu para espreitar nada de Troia, a não ser a vizinhança de vivendas e espaços aprazíveis que a tornam uma das zonas talvez mais paradisíacas do nosso país.
Tomei a estrada em direção a sul, rumo à Comporta. De vez em quando iam passando um carro, e outro, e outro, muito espaçados.

A paisagem inspirava-me um misto de deleite com solidão; com o Atlântico à direita, tão próximo e poderoso, silencioso nesse dia ainda sem sol, e com uma brisa agradável a tornar menos pesada a viagem, e as zonas de pântanos e lodosas à esquerda, com a vista da Setenave lá mais longe, uma cópia da Lisnave, localizada na península de Setúbal, mas em tudo parecida, pelo menos vista da outra margem.

A estrada estava em boas condições e o andamento fazia-se sem grande cansaço, com vento pelas costas e com terreno essencialmente plano. O trajeto começava a ser monótono, pois não havia nem carros, nem pessoas. Aquele cenário selvagem, intocado e virgem, protegido, é bonito mas igual, durante grandes extensões.

Na zona da Comporta parei numa bomba e comprei finalmente o protetor solar. Dois dedos de conversa com a moça que estava de serviço e era hora de seguir.
À direita surgiam agora arrozais, extensos, num verde tão largo que a vista não lhe alcançava o fim. Pelo movimento dos carros que me iam ultrapassando percebia o horário dos ferrys, pois eram por levas.
Ia-se passando uma terra com meia dúzia de casas à beira da estrada, e outra e ainda mais outra, mas muito pouco sinal de pessoas.

A determinada altura não percebia sequer se estava com um bom andamento ou não, tinha-me deixado cair na monotonia e começava a senti-la. Começou a custar a pedalar, não pelas condições físicas mas sobretudo pela disposição e pela solidão. Ainda faltava tanto e não era bom sinal. Decidi parar, beber e comer mais uma metade de uma sandes, sensivelmente pelas 10h30m, o que queria dizer, pensava eu, que teria meio caminho percorrido até ao Canal Caveira.

Foi um tónico importante, a partir dessa pequena paragem voltei a ganhar ritmo, ou pelo menos a perceção de que ia com um bom ritmo. A bicicleta estava em ótimas condições, o corpo respondia, a motivação voltava e mais à frente começo a ver as placas a direcionar para Melides, Sines, etc., o que significava que estava a chegar perto.
A determinada altura a placa para Grândola e a entrada no IP1, para fazer a meia dúzia de quilómetros até ao almoço.

Aproveitando as características da estrada, com uma boa inclinação a descer, sentia-me voar. À esquerda um carro parado na berma, meio escondido, com uma perna e um salto alto a espreitarem pela porta do condutor aberta, a recordar que por aquelas bandas se mantêm atividades antigas, agora com mais mobilidade.
Já não passava nesta estrada há muitos anos e eis que surge a “torre” à vista, aquela torre que sempre anunciava a paragem para comes e bebes.
Assim foi desta feita e qual não foi o meu espanto quando olho para o relógio e vejo que era 11h26m e havia percorrido os 56 km em 2h15m, sensivelmente, um ritmo que me deixou de pé atrás, pois se por um lado me sentia bem, por outro ainda só levava um terço da aventura pelas costas e faltava o mais difícil.

Não sentia qualquer dor nas pernas e no assento, as que tive foi por volta dos 80 ou 90 km, o que é habitual e penso que seja a fase em que o corpo se adapta efetivamente à longa distância, após as três horas e meia ou quatro horas de esforço. E perceberia mais à frente algo que tenho constatado nas longas saídas: é um modelo binário, este, da gestão do esforço, quando surgem as dores ou há reação e se continuam e as dores param, ou não dá mais e acaba a brincadeira. E por isso a diferença é feita muito com base no plano mental, asseguradas que estejam as condições de treino de base.

No Canal Caveira decidi não embarcar em aventuras gastronómicas. Optei por uma sopa de legumes, bem nutrida e reconfortante, uma coca-cola e um pastel de nata. Foi igualmente altura de enviar uma mensagem à malta que me seguia mais de perto e que iam incentivando ao longo do caminho. Falei para “casa” e pouco depois tive oportunidade de trocar algumas palavras com o Pedro e com o Nuno. Que talvez estivesse a andar rápido, mas agora era seguir e aproveitar enquanto o sol ainda não descobria. Até aqui não tinha provado sequer uma migalha de calor perturbador.

Aproveitei para me barrar com protetor solar, era meio-dia e mais hora menos hora ele aí estaria. Saí do Canal Caveira pelas 11h58m, com cerca de 2 horas de avanço face ao plano e estimativa iniciais, o que era bom, pois dava margem para o trajeto seguinte, que para além do calor, tinha um percurso de sobe e desce em extensão a té Beja, ondulado, sem grandes inclinações mas com comprimento bastante.

Despedi-me do pessoal do restaurante que me desejou boa viagem, pois havia chamado a atenção com capacete, luvas e colete, e comentámos as incidências até ali e dali para a frente. Encorajaram-me dizendo que era sempre a descer até Vila Real de Santo António J, mas que fosse depressa pois o sol ainda ia aparecer certamente, era raro o dia estar fresco aquela hora. Agradeci e arranquei, rumo a Beja. Estômago cheio, protegido do sol, com as pernas descansadas, chegara a hora de começar a gerir uma das variáveis mais perigosas e que poderia motivar a passagem ao plano B, encostar pelo caminho em alguma localidade ou no limite em Beja, caso aquecesse demais.

Com 107km percorridos as pernas estavam excelentes e a motivação em alta. O efeito do vento não se fazia sentir, mas estava lá bem gravado no relógio e na margem que ia acumulando. Não sabia, mas estava passada uma fase importante, mentalmente, a da superação das pequenas dores iniciais de alerta das pernas e do traseiro, e a da inércia que se instala quando se percorrem troços muito longos sem as devidas paragens.


Em termos estratégicos, as paragens de hora e meia em hora e meia, rápidas, tipo dez minutos para hidratar e petiscar, junto com as paragens maiores de meia hora a cada cinquenta ou sessenta quilómetros, revelar-se-iam perfeitas.

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