terça-feira, 17 de julho de 2007

Porque a morte faz parte da vida

cabanas dos pescadores - armações da pesca do atum


aparentemente este post não tem nada a ver com o treino para a maratona do porto. na realidade, tem tudo a ver.
ontem tive que regressar a cabanas de tavira pelos piores motivos: a morte de uma mulher que me é muito querida. falo sempre dos que me são queridos e morrem, no tempo presente. nem consigo utilizar a expressão "os que partem". eles não partem. ficam connosco e mesmo fisicamente conseguimos sempre senti-los. conseguimos rir-nos, chorar, corar, entristecer, quando trazemos a recordação bem próxima do limiar físico. por isso os amamos e pelo amor que lhes temos os sentimos e continuamos com a sua presença na nossa vida.
a tia gracinda, irmã da minha avó materna, foi colhida por uma cornada da vida há cerca de 11 anos. mulher de garra, era sempre a primeira a dar vida à casa, madrugada precoce, e a última a fechar os olhos para um pequeno período de repouso. décadas a fio habituei-me a vê-la levar toda a família ao colo. era um vendaval, uma ria formosa que habitava a ria formosa. uma espécie sã, um coração de uma incomensurável dimensão, que deveria ter sido protegido das leis pouco lógicas com que a vida se encarrega de reger algumas existências.
foi um avc. de início sem grandes mazelas e com perspectivas de recuperação. pelo meio e no final, uma vida arrastada entre a cadeira de rodas e a cama (mais aqui nos últimos tempos). com todo o sacrifício, dor, sofrimento, impotência e humilhação que a vida, em alguns casos, impõe aos inocentes.
mas houve luta, resistência, batalhou até ao final.
curiosamente há 2 semanas, quando estive de férias, falei com a tia. na 5ªf - dia 05/07. na 6ªf entrou em coma. o destino deu-me esse pequeno "brinde": poder beijá-la uma última vez e ver o seu sorriso, agora o vislumbro, de despedida.
despedimo-nos sorrindo. com amor. com um carinho infinito.
a lição de vida da tia, os gestos de amor que teve para comigo e para com os meus, o exemplo de luta, sofrimento e compromisso com a vida, a persistência, são o que tenho comigo ao longo do caminho, incluindo também o da maratona do porto.

tia, com muito carinho lhe deixo uma gravura das cabanas dos pescadores das armações (talvez da armação da abóbora, onde se fez guerreira). habituei-me, pela minha mãe, avós, por todos vocês, a ouvir as histórias de quem ganhava a vida na pesca do atum e "emigrava" sazonalmente para as armações (ver história de cabanas de tavira e pesca do atum).
porque a vossa luta me ajudou a crescer, um grande obrigado
e até já.
ab

2 comentários:

Lénia disse...

Olá António,

Pois é, lamento muito pela sua tia-avó.

Ao ler estas linhas, fez-me recordar o meu avô paterno, que morreu há ano e meio. Também ele toda uma vida de sorrisos e força, teve de ceder perante uma trombose, que a pouco e pouco lhe consumiu a chama de viver.
É esta a vida que a gente tem. A mente é poderosa, mas o corpo, quem tem mão sobre ele? Somos assim, bichos de carne frágil.
Mas A., a sua tia e o meu avô continuam aqui de chama acesa, também acredito nisso. Nada apaga seres de grandeza maior. Nem a água, a terra, o fogo, o ar ou a morte.

Desculpe-me se fui uma chata.

Um abraço e bons treinos.

Anónimo disse...

Olá António
Os meus sentidos pêsames. Gostei imenso do seu texto. Fez-me recordar também uma pessoa que muito me marcou (avô materno)e que também era uma pessoa do campo, humilde e de uma enorme vitalidade. Essas pessoas efectivamente não morrem, ficam para sempre connosco.E quantas vezes aquando dos nossos treinos eles estão presentes nas imensas coisas que pensamos quando corremos sozinhos. Um abraço A. Luis