terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pais de Atletas


na minha já longa ligação com o exercício e com o desporto – neste último caso federado, a natação desde os meus 7 anos e, desde há 3 anos com os meus filhos, na canoagem, basquetebol, futebol e natação – constato que mudaram os tempos mas há algo que não mudou: os pais dos atletas, a sua postura, atitudes e comportamentos - de alguns pelo menos.

desde sempre, por motivos essencialmente profissionais, habituei-me a ver os meus pais longe das provas e dos treinos de natação. foram muitos anos, mais ou menos 12, de natação competitiva, o que equivale a dizer, e por vezes afirmei-o em jeito de brincadeira, que via mais vezes o meu treinador do que o meu pai.
hoje, com a distância que os anos e a maturidade (a possível pelo menos) conferem, entendo que essa ausência me marcou pela positiva. é claro que há uma zona de “não partilha” que ficou para o resto da vida e que não teve volta.
mas há igualmente um espaço de independência, de desenrasca, de "estar sozinho perante as dificuldades" e de ter que enfrentar, sozinho, os medos, os fracassos, as angústias, um espaço de autonomia, que me marcou a forma de estar. e que nos dias de hoje revejo como um traço que advém certamente desse contexto.

partilhei, sobretudo com o meu pai, como espectador, as longas e inesquecíveis tardes de domingo, onde íamos ver a futebolada, com basquete, ou andebol, ou hóquei ou ainda voleibol a seguir aos jogos, no antigo estádio da luz. afinal de contas, havia sempre espaço para a partilha e quanto a espectáculos televisivos, também estávamos em sintonia. o desporto sempre nos marcou pela positiva e sempre nos deu campo para a partilha.

arredado dos tempos de adolescente, quase a entrar na idade adulta, os desportos competitivos deram lugar às brincadeiras com amigos, claramente mais dependentes da extensão das noitadas do que da prática sistemática. ainda assim, como espectadores lá continuávamos ombro no ombro (ressalvo aqui que esta história é sempre a 3, pois o meu mano também é um apaixonado pelo desporto e também praticava exercício embora não federado, estando connosco como espectador nas várias manifestações desportivas).

recentemente e com a entrada da criançada neste mundo do exercício e do desporto federado, assumi um novo papel, o de pai de atleta.
talvez com a memória fresca das ausências paternas, tentei desde sempre estar presente incentivando a prática das crianças, jogando e brincando com eles nas várias modalidades, e deixando-os beber da extraordinária escola do desporto, que alicerça as boas raízes do desenvolvimento.

há algo que sempre me (nos) guiou: nunca, nunca mesmo, interferir nas matérias técnicas e nos conflitos quotidianos, normais, entre treinador e atleta/filho.
entendo(emos) o papel dos pais como de motivador dos filhos para a prática e de facilitador, quando necessário na relação treinador /atleta. acresce, claro, o papel interventivo, em conjunto com o treinador, nas matérias do desenvolvimento dos jovens e sempre que há necessidade de “alinhamentos”.
quanto ao resto – interferência, pressões e chantagens junto do treinador, postura “lambe-botas”, fonte de tácticas paralelas para dentro dos campos, pistas, piscinas, fonte de posturas agressivas com que muitas vezes vejo os pais incentivarem os filhos: “vai à bola com mais força”, “ataca-o”, "encesta como sabes", "és capaz de muito mais do que isso", “dá-lhe”, “remata mais vezes pois só assim vais marcar”, “não tenhas medo deles, vai-te a eles”, …, e outras que tais ... estamos falados!

mais acima referi que há coisas que não mudam.
efectivamente, e perante o distanciamento a que me obrigo durante os treinos – ou estou a correr para aproveitar esse tempo, ou estou afastado a ler, ou chego apenas no final do treino, já em cima, porque não consegui chegar antes, agenda “oblige”, e igualmente durante as provas – incentivo muito, estimulo, mas não me intrometo em assuntos e discussões entre treinador e atletas/filhos (é claramente do seu foro relacional), continuo a observar que uma percentagem dos pais tende a intrometer-se em vários tipos de questões:

- na relação dos filhos com o treinador
- nas questões organizativas dos clubes, querendo dialogar e meter a colher em questões de deviam ser meramente gestionárias
- na vertente técnica, como se soubessem tanto ou mais do que o treinador e como se meia dúzia de anos a assistir aos treinos e competições dos filhos conferissem as acreditações necessárias para ser especialista em matéria de treino desportivo e de orientação de jovens atletas.

esta questão parece-me ainda mais relevante quando assisti e continuo a assistir a muitos miúdos que desistem do seu desporto devido a esta interferência e a não ser respeitado, pelos pais, o espaço próprio da relação entre pais e atletas.

acresce, ainda e “the last but no the least” a gritante e generalizada falta de formação dos dirigentes desportivos para lidarem igualmente com este tipo de situações. poderiam e deveriam ser, num primeiro momento, um canal de comunicação e de separação de águas entre treinadores/atletas e pais. mas não! são efectivamente mais um conjunto de actores que, em meios que se tornam objectivamente “familiares”, pitorescos e que replicam as dinâmicas “lá de casa”, contribuem para a pequenez com que se desenvolvem jovens no meio das confusões que medram na cabeça dos adultos.

quais as razões para estes pais e dirigentes se continuarem a intrometer?
- cidadãos frustrados por nunca terem sido atletas?
- ex-atletas frustrados com os seus desempenhos médios ou baixos que querem à força replicar a sua sede de sucesso através dos filhos?
- profissionais frustrados pelas angústias e decepções da vida profissional, e que replicam fora das horas de trabalho os comportamentos e atitudes que gostariam de ousar ter no seu local de trabalho?
- pessoas que necessitam de protagonismo, de atenção, e que agem querendo reinar a qualquer preço?
- pessoas que continuam a pensar que uma boa forma de educar é substituir a meritocracia pelo jogo de influências, pela cunha, pelo “poderzinho” de poder proporcionar condições diferentes pela proximidade com o nível de decisão clubístico?

o curioso é que raramente vejo pais que foram ou ainda são praticantes de exercício / desporto, adoptar estes comportamentos e posturas.
talvez porque sabem que as derrotas têm tanta ou mais importância na formação do carácter como as vitórias. e talvez, por saberem que a escola do desporto é isso mesmo: deixar um atleta crescer no seio das equipas, com um espírito solidário, mas sem camuflar os medos, angústias, decepções, fracassos.

no desporto como na vida ganha-se e perde-se, passa-se do alto ao baixo e vice-versa.
mas para que essa aprendizagem seja frutuosa, é necessário deixar desabrochar as flores praticantes, é necessário não interferir, dar-lhes espaço. só assim a prática será plena, e os pais dos atletas terão mais tempo para desfrutar do prazer de assistir às modalidades e aos desempenhos desportivos, sem a carga de terem que desempenhar um papel adicional: o de intrometidos!


para finalizar, encontrei este artigo também sobre o tema:
http://raia7.wordpress.com/2006/08/20/10-mandamentos-para-os-pais-de-atletas/
ab

6 comentários:

Pedro Ferreira disse...

Excelente Post!
Espero ter aprendido alguma coisa...

Guy de Maupassant disse...

António,

brilhantíssima reflexão, esta sua!!! Suscitou-me a partilha de algumas impressões.

Eu próprio, enquanto jovem pai (jovem, em idade e função), dou por mim, durante as longas horas de treino solitário, a reflectir sobre a questão da influência paterno-maternal em áreas fundamentais da formação humana, quer a nível psicossocial (moral, ética, religião,etc), quer a nível do próprio desenvolvimento físico-motor como a presente questão da prática desportiva (claro que o desporto - individual ou colectivo - encerra em si mesmo outras importantes funções como a da sociabilização).
Não raras vezes dou comigo a equacionar até onde deve ir a nossa influência de pais. A título de exemplo: por ser católico devo impor o catolicismo ao(s) meu(s)filho(s)? ou uma cor clubística? ou uma determinada inclinação política? e por aí fora... Certo é que, em última análise, os filhos são sempre moldados à imagem dos pais e reflectem não só o ambiente doméstico vivido, como também (quiçá, em alguns casos hodiernos, em maior escala) as demais influências externas (aqui caberá aos pais e restantes agentes formadores – professores, família, etc. – actuar vigilantemente filtrando toda a informação).
No caso que aqui aflora – o da prática desportiva – é bastante comum ocorrer o fenómeno da hereditariedade, o que deixa transparecer uma nítida influência parental (poder-se-iam aqui citar inúmeros casos de gerações sucessivas de futebolistas - os Cruyff, os Veloso, etc. – ou, outros equiparáveis em desportos menos mediáticos como o triatlo – caso do clã Fernandes, só para citar o mais célebre).
Sem querer alongar-me (o assunto dá pano para mangas), penso que aqui, como em tudo na vida, se aconselha moderação e cautela. Sem dúvida há que mostrar o caminho, antes de mais pelo exemplo, mas deixar sempre espaço à liberdade de escolha dos nossos filhos; na idade adulta, a vida é deles e as opções que nela tomarem também. Não tenhamos ilusões; como alguém disse, os filhos não são propriedade nossa. E, mais tarde ou mais cedo, há que cortar o cordão umbilical e deixá-los ganhar asas e voar mesmo correndo o risco de os ver cair; a queda também faz parte do processo de crescimento e nós, enquanto pais, estaremos sempre a seu lado para o que der e vier.

César disse...

Muito bom! tema e post!
Penso nele muitas vezes e tento ser racional. Confesso que em termos clubísticos, não consegui e influencio ao máximo. SLBBBBBBBB!
(Como ia ver os jogos do Benfica se eles fossem de outro clube? perdia toda a graça!)
Outra área onde não consigo ser isento (mas ao contrário) é na religião, pois a mim... cheira-me a esturro.

Anónimo disse...

É realmente muito bom, é Excelente mesmo, este tema: PAIS DE ATLETAS

Sempre procurei orientar e influênciar o meu filho, à minha imagem, ou seja naquilo que eu achava ser melhor para ele, inclusivé a escolha clubística, o GLORIOSO!

Não me arrependo dessas opções, pois tenho a "certeza" de terem sido as mais correctas, mas quem sabe, se lesse este "post" na altura, não teria sido, em parte, influênciado nessas minhas "certezas".

Quantas vezes, em jogos, brincadeiras, corridas ou outras acções de carácter lúdico, mas competitivo, "deixamos" os nossos filhos "ganhar sempre", para que os vejamos sorrir, enchendo-nos a nós de Felicidade!

O "pior" é que agora, para "eu e ele não estranharmos", começamos as PROVAS juntos, mas ele nunca me deixa "ganhar-lhe", diz que depois espera por mim na Meta com um garrafinha de àgua Fresca, ou um gelado "CALIPO" ... eh eh eh

Mesmo bebendo do "meu veneno" ... sou eu que sorrio, pois ... do mal o menos, e para mim, ter essa expectativa, dá-me mais alento, naqueles momentos difíceis das Provas.

Obrigado e para ... " o rapaz mais giro do [seu] quarto " eh eh eh, os meus Parabéns pela Mensagem, Força António!

Zen disse...

Olá AB

Objectividade e muita coragem na pena, parabéns! Digno de publicação.

Os pais projectam nos filhos muitas das suas necessidades de realização. Não podemos negar que isso é uma vontade afectiva, se bem que erradamente sublimada. Que todos consigamos pelo efeito de valores solidamente comuns educar os nossos filhos para as suas vivências colectivas ao mesmo tempo que lhes transmitimos o forte amor paternal.

Abraço

MPaiva disse...

Parabéns pela forma aberta como descreve a sua vivência no desporto enquanto praticamente jovem. Vivi a minha formação desportiva em circunstâncias idênticas e sinto que o facto de ter decidido fazer desporto por minha vontade e "sozinho", me reforçou enquanto pessoa e reforçou a minha ligação à prática desportiva.

Chegado recentemente às funções de pai, veremos como me irei sair!

abraço
MPaiva