Casa - Cais do Sodré = 12 km
Cacilhas – Setúbal / Troia = 39,7
km
Total Etapa 1 = 51,7 km
À boa maneira das corridas, a
semana foi de descanso. Assim como a anterior. Duas sessões de treino leves e
na semana da aventura apenas uma saída até ao cais do Sodré e volta, quarta
feira de manhã, para reconhecer o percurso na saída.
O último treino longo havia
acontecido dois fins de semana antes, com um acumulado de 190 quilómetros,
entre sábado de manhã (90 minutos de intensas subidas na zona de Barcarena);
sábado à noite (100 km com a subida noturna à malveira da serra) e domingo de
manhã com 60 quilómetros a rolar, junto com o nuno e com direito a um
travesseiro na pastelaria Garrett no Estoril, para avivar as memorias de
nadador adolescente).
A lista estava verificada:
- Powerade
– três garrafas
- Uma
camisola de manga comprida, duas de manga curta
- Pilhas
para a luz traseira e para a dianteira
- Luz
pequena para a frente, suplente
- Bomba
- Colete
refletor, capacete e luvas
- Banda
refletora para o tornozelo
- Dinheiro
– cerca de 30 euros para travessias de barco, almoço e compra de líquidos
e snacks
- 3
sandes de queijo com doce de tomate
- Duas
camaras de ar suplentes
- Documento
de identificação
- Pano
com pescoço comprido para proteger a cabeça do sol
- Plano
do trajeto em papel, com os quilómetros totais e parciais (ver o post de
início de julho)
- Protetor
solar (falhou, esta foi a compra na zona da comporta quando o sol estava a
ameaçar romper)
- Creme
barral, logo de manhã uma passagem bem cheia nas partes sensíveis
- Umas
meias e umas cuecas suplentes
- Caneta
Tudo pronto e arrumado,
essencialmente na mochila (não utilizo, por enquanto, armação para suporte de
malas), a saída aconteceu exatamente às 5h45m. Tudo a postos, uma sandes permitiu
começar a ingestão ao longo do dia. O segredo das longas saídas de bicicleta,
para além do treino continuado e da acumulação de quilómetros, reside
essencialmente na gestão dos ritmos e dos descansos e na ingestão contínua de
calorias e líquidos para repor o que se vai perdendo.
Como era de noite optei (bem)
pela camisola de manga comprida. Junto ao rio, no museu da eletricidade o mote:
“ a noite é boa conselheira”, a letras vermelhas bem iluminadas. Concordo. Boa
conselheira quando nos sabemos integrar bem nela. Sem carros e sem grande
agitação (algures em Alcântara Mar alguns sons vinham do Hawai), algo pouco
comum há uns anos naquela zona e numa madrugada de sexta-feira.
Primeira paragem, no terminal
fluviário do Cais do Sodré, na hora prevista 6h15m. Alguns jovens que
regressavam à margem sul vindos da noite lisboeta produziam um pouco de ruído,
sem incomodar. Cinco minutos de espera e eis que surge o barco, de onde começam
a sair os trabalhadores madrugadores, o povo da margem sul que se dirigia aos
seus locais de trabalho. Gente que para estar às 6h20m no cais do Sodré havia
certamente acordado bastante mais cedo, gente com feições marcadas pelos dias
longos e pelo tempo para pensar na vida nos trajetos madrugadores onde poucas
pessoas ainda povoam os barcos.
No barco que partiu à hora
prevista, 6h23m, com muito poucos companheiros de viagem, uma olhada à mochila,
fiz a mudança de camisola para modo manga curta e a preparação mental para um
dia longo. Lisboa ficava para trás, as colinas e os telhados que se
vislumbravam por entre uma ténue neblina, o rio a ditar as regras com um
ligeiro ondular. Na porta da casa de banho, fechada, uma mensagem do género
“caso deseje utilizar, contacte o marinheiro de serviço”. Afinal existem
marinheiros que também dão suporte às pequenas travessias, quando geralmente
penso em marinheiro integrado em grandes navios.
Chegado a Cacilhas pelas 6h38m,
vinte e dois minutos antes da hora de saída prevista, era altura de pedalar.
Motivado fiz-me à estrada. Uma ciclovia relativamente bem conservada permitia
ir, aquela hora, ao lado dos carros e em bom andamento. Os estaleiros da
Lisnave, imponentes, senhores de tantas empreitadas, lutas e aventuras davam o
mote para um dia em grande. Mais à frente as primeiras camionetas saiam para o
início do dia de transporte de muitas vidas.
Rapidamente cheguei à Cova da
Piedade, terra familiar da infância e adolescência, ou não fosse a Sociedade
Filarmónica União Artística Piedense um dos locais e coletividades onde se
realizavam inúmeras provas de natação na piscina então descoberta. Relembrei
com saudade as várias vezes em que participávamos nas 24 horas a nadar, noite e
madrugada adentro, sempre bem tratados pela família Freitas e pelo coletivo da
SFUAP e os episódios de estreia na visualização de filmes para adultos, na
companhia dos colegas de equipa, nas sessões da meia noite, quando a idade era
ajustada aos requisitos de entrada, julgando nós, jovens imberbes que
enganávamos alguém.
Mais à frente e na pequena
inclinação da estrada tempo para apreciar a confusão urbanística à qual o metro
de superfície terá dado alguma harmonia (minha opinião que não percebo nada
disto, nem da zona naturalmente). Deparei-me com algo que nunca tinha visto, um
edifício onde em grandes letras está inscrito “Igreja Mundial do Poder de
Deus”. No meio de tantas igrejas, esta era uma novidade. Do outro lado da rua a
funerária Cruz, uma das pequenas, certamente a lutar contra os impérios
multinacionais, e a captar clientes, quem sabe, para quem a ajuda do lado
contrário da estrada não terá sido suficiente.
Seguindo caminho, em bom
andamento, uma série de descidas permitiam ganhar algum tempo ao plano. O vento
de costas ajudava. Rapidamente cheguei à estrada para Setúbal, após a Cruz de
Pau, e entrei na estrada para Brejos de Azeitão. Pelo caminho e um pouco desorganizados
na memória apareceram-me a cínica do Dr. Nashimura, orientada de acordo com a
placa exterior, para a coluna vertebral J, a fábrica das tortas
de Azeitão que para meu desgosto se encontrava fechada à hora que passei, as
instalações, muito degradadas da Associação Empresarial da Região de Setúbal, a
fábrica da “Bacalhoeira” de onde emanava
uma brisa a belos vinhos e a rodoviária do Alentejo, também com uma
considerável degradação exterior. Logo a seguir uma pequena subida e eis que
surge o caminho já numa das encostas da Arrábida, rumo a Setúbal.
Sem conta quilómetros, que havia
finado uns dias antes, ia vendo o tempo e percebendo que estava algo adiantado.
Com duas ou três descidas retemperadoras, Setúbal estava à vista e quando olhei
para o relógio percebi que havia ganho bastante tempo. A hora prevista de saída
de Setúbal era as 9h30m, e pelas 8h31m tinha passado a Avenida Luísa Todi e
estava a comprar bilhete para o ferry, rumo a Troia. Um pouco antes, sem ter
noção do horário dos barcos decidira não entrar num supermercado para comprar
protetor solar, o que e revelou uma boa decisão, pois permitiu-me apanhar o
ferry das 8h40m, quase sem interrupção nem tempo de espera.
O tempo estava fresco, o sol
escondido, o clima ideal para a longa distância, a motivação em alta.
Aproveitei o Sado e a travessia
para alongar e comer, bem como fechar a primeira das garrafas de powerade. Na
margem oposta Troia ia estando mais próxima.
Um rapaz com sotaque nortenho,
também de bicicleta perguntou-me se me dirigia para Sines; queria companhia.
Respondi-lhe que não e desejei boa viagem, ele que ia bastante mais pesado do
que eu, com saco cama e um saco de viagem. Já em Troia, a saída e a segunda
etapa a começar.
Entretanto havia recebido
mensagem do Pedro a dar força e a acertar na previsão de que estaria por terras
de Setúbal. Ponto de situação também ao Nuno e lá segui viagem.
Percorrer estas longas distâncias
também se deve caracterizar pela estratégia de decomposição do todo. Partindo
muitos quilómetros em bocados uniformes ajuda mentalmente a focar em vários
objetivos, que se vão desenrolando para um objetivo maior e permite marcar
pontos de controlo para avaliar o progresso e recuperar forças.
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