sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Etapa 1: Cassa - Cais do Sodré - Cacilhas - Setúbal/Troia

Casa - Cais do Sodré = 12 km
Cacilhas – Setúbal / Troia = 39,7 km

Total Etapa 1 = 51,7 km

À boa maneira das corridas, a semana foi de descanso. Assim como a anterior. Duas sessões de treino leves e na semana da aventura apenas uma saída até ao cais do Sodré e volta, quarta feira de manhã, para reconhecer o percurso na saída.
O último treino longo havia acontecido dois fins de semana antes, com um acumulado de 190 quilómetros, entre sábado de manhã (90 minutos de intensas subidas na zona de Barcarena); sábado à noite (100 km com a subida noturna à malveira da serra) e domingo de manhã com 60 quilómetros a rolar, junto com o nuno e com direito a um travesseiro na pastelaria Garrett no Estoril, para avivar as memorias de nadador adolescente).

A lista estava verificada:
  • Powerade – três garrafas
  • Uma camisola de manga comprida, duas de manga curta
  • Pilhas para a luz traseira e para a dianteira
  • Luz pequena para a frente, suplente
  • Bomba
  • Colete refletor, capacete e luvas
  • Banda refletora para o tornozelo
  • Dinheiro – cerca de 30 euros para travessias de barco, almoço e compra de líquidos e snacks
  • 3 sandes de queijo com doce de tomate
  • Duas camaras de ar suplentes
  • Documento de identificação
  • Pano com pescoço comprido para proteger a cabeça do sol
  • Plano do trajeto em papel, com os quilómetros totais e parciais (ver o post de início de julho)
  • Protetor solar (falhou, esta foi a compra na zona da comporta quando o sol estava a ameaçar romper)
  • Creme barral, logo de manhã uma passagem bem cheia nas partes sensíveis
  • Umas meias e umas cuecas suplentes
  • Caneta

Tudo pronto e arrumado, essencialmente na mochila (não utilizo, por enquanto, armação para suporte de malas), a saída aconteceu exatamente às 5h45m. Tudo a postos, uma sandes permitiu começar a ingestão ao longo do dia. O segredo das longas saídas de bicicleta, para além do treino continuado e da acumulação de quilómetros, reside essencialmente na gestão dos ritmos e dos descansos e na ingestão contínua de calorias e líquidos para repor o que se vai perdendo.
Como era de noite optei (bem) pela camisola de manga comprida. Junto ao rio, no museu da eletricidade o mote: “ a noite é boa conselheira”, a letras vermelhas bem iluminadas. Concordo. Boa conselheira quando nos sabemos integrar bem nela. Sem carros e sem grande agitação (algures em Alcântara Mar alguns sons vinham do Hawai), algo pouco comum há uns anos naquela zona e numa madrugada de sexta-feira.

Primeira paragem, no terminal fluviário do Cais do Sodré, na hora prevista 6h15m. Alguns jovens que regressavam à margem sul vindos da noite lisboeta produziam um pouco de ruído, sem incomodar. Cinco minutos de espera e eis que surge o barco, de onde começam a sair os trabalhadores madrugadores, o povo da margem sul que se dirigia aos seus locais de trabalho. Gente que para estar às 6h20m no cais do Sodré havia certamente acordado bastante mais cedo, gente com feições marcadas pelos dias longos e pelo tempo para pensar na vida nos trajetos madrugadores onde poucas pessoas ainda povoam os barcos.

No barco que partiu à hora prevista, 6h23m, com muito poucos companheiros de viagem, uma olhada à mochila, fiz a mudança de camisola para modo manga curta e a preparação mental para um dia longo. Lisboa ficava para trás, as colinas e os telhados que se vislumbravam por entre uma ténue neblina, o rio a ditar as regras com um ligeiro ondular. Na porta da casa de banho, fechada, uma mensagem do género “caso deseje utilizar, contacte o marinheiro de serviço”. Afinal existem marinheiros que também dão suporte às pequenas travessias, quando geralmente penso em marinheiro integrado em grandes navios.

Chegado a Cacilhas pelas 6h38m, vinte e dois minutos antes da hora de saída prevista, era altura de pedalar. Motivado fiz-me à estrada. Uma ciclovia relativamente bem conservada permitia ir, aquela hora, ao lado dos carros e em bom andamento. Os estaleiros da Lisnave, imponentes, senhores de tantas empreitadas, lutas e aventuras davam o mote para um dia em grande. Mais à frente as primeiras camionetas saiam para o início do dia de transporte de muitas vidas.
Rapidamente cheguei à Cova da Piedade, terra familiar da infância e adolescência, ou não fosse a Sociedade Filarmónica União Artística Piedense um dos locais e coletividades onde se realizavam inúmeras provas de natação na piscina então descoberta. Relembrei com saudade as várias vezes em que participávamos nas 24 horas a nadar, noite e madrugada adentro, sempre bem tratados pela família Freitas e pelo coletivo da SFUAP e os episódios de estreia na visualização de filmes para adultos, na companhia dos colegas de equipa, nas sessões da meia noite, quando a idade era ajustada aos requisitos de entrada, julgando nós, jovens imberbes que enganávamos alguém.

Mais à frente e na pequena inclinação da estrada tempo para apreciar a confusão urbanística à qual o metro de superfície terá dado alguma harmonia (minha opinião que não percebo nada disto, nem da zona naturalmente). Deparei-me com algo que nunca tinha visto, um edifício onde em grandes letras está inscrito “Igreja Mundial do Poder de Deus”. No meio de tantas igrejas, esta era uma novidade. Do outro lado da rua a funerária Cruz, uma das pequenas, certamente a lutar contra os impérios multinacionais, e a captar clientes, quem sabe, para quem a ajuda do lado contrário da estrada não terá sido suficiente.

Seguindo caminho, em bom andamento, uma série de descidas permitiam ganhar algum tempo ao plano. O vento de costas ajudava. Rapidamente cheguei à estrada para Setúbal, após a Cruz de Pau, e entrei na estrada para Brejos de Azeitão. Pelo caminho e um pouco desorganizados na memória apareceram-me a cínica do Dr. Nashimura, orientada de acordo com a placa exterior, para a coluna vertebral J, a fábrica das tortas de Azeitão que para meu desgosto se encontrava fechada à hora que passei, as instalações, muito degradadas da Associação Empresarial da Região de Setúbal, a fábrica da “Bacalhoeira” de onde  emanava uma brisa a belos vinhos e a rodoviária do Alentejo, também com uma considerável degradação exterior. Logo a seguir uma pequena subida e eis que surge o caminho já numa das encostas da Arrábida, rumo a Setúbal.

Sem conta quilómetros, que havia finado uns dias antes, ia vendo o tempo e percebendo que estava algo adiantado. Com duas ou três descidas retemperadoras, Setúbal estava à vista e quando olhei para o relógio percebi que havia ganho bastante tempo. A hora prevista de saída de Setúbal era as 9h30m, e pelas 8h31m tinha passado a Avenida Luísa Todi e estava a comprar bilhete para o ferry, rumo a Troia. Um pouco antes, sem ter noção do horário dos barcos decidira não entrar num supermercado para comprar protetor solar, o que e revelou uma boa decisão, pois permitiu-me apanhar o ferry das 8h40m, quase sem interrupção nem tempo de espera.
O tempo estava fresco, o sol escondido, o clima ideal para a longa distância, a motivação em alta.
Aproveitei o Sado e a travessia para alongar e comer, bem como fechar a primeira das garrafas de powerade. Na margem oposta Troia ia estando mais próxima.
Um rapaz com sotaque nortenho, também de bicicleta perguntou-me se me dirigia para Sines; queria companhia. Respondi-lhe que não e desejei boa viagem, ele que ia bastante mais pesado do que eu, com saco cama e um saco de viagem. Já em Troia, a saída e a segunda etapa a começar.
Entretanto havia recebido mensagem do Pedro a dar força e a acertar na previsão de que estaria por terras de Setúbal. Ponto de situação também ao Nuno e lá segui viagem.


Percorrer estas longas distâncias também se deve caracterizar pela estratégia de decomposição do todo. Partindo muitos quilómetros em bocados uniformes ajuda mentalmente a focar em vários objetivos, que se vão desenrolando para um objetivo maior e permite marcar pontos de controlo para avaliar o progresso e recuperar forças.

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