quinta-feira, 31 de julho de 2014

Brevet Pessoal Guadiana 300 - 306 km a pedalar

É difícil exprimir a felicidade na descida e no trajeto final, habitualmente realizado de automóvel.
Foi o culminar de uma ideia nascida uns meses antes, de um processo de muita aprendizagem, de um plano de viagem com limites bem definidos, de um dia de férias antecipado e preparado para um retiro pessoal, um dia de reflexão em movimento em cima de uma bicicleta, um dia de aventura por entre novos cheiros, pessoas e vistas.

Dezoito horas e nove minutos antes saía de Miraflores rumo ao sotavento Algarvio. Cais do Sodré, Cacilhas, Setúbal, Troia, Grândola/Canal Caveira, beja, Mértola, Vila Real de Santo António e a terra dos banhos, eram simultaneamente os destinos e os postos de controlo e avaliação. Foram trezentos e seis quilómetros de puro espírito de viajante, sozinho à descoberta, de lugares mas, sobretudo, dos limites e de mim próprio.

Há precisamente um ano, também em férias, no final de julho, havia passado uma semana dura, com um episódio de hérnia discal, uma das duas que cá estão, bem presentes. As atividades de férias, a canoagem com a criançada ou sozinho na ria formosa, as brincadeiras na praia, não são o melhor seguro para manter a saúde da coluna, quando já não está 100%.
Sem conseguir, nem querer correr (algo que desde 2012 percebi que me fazia mal e era incapacitante para a vida quotidiana) e tendo tomado a decisão de abandonar essa paixão da corrida (algo de que falarei num próximo post), dado o prejuízo que me trazia, impus-me agarrar a qualquer outra forma de movimento e de exercício.
Caminhar seria sempre a base, mas precisava de mais. Nadar é algo esporádico por estes dias, de vez em quando vou à piscina com um dos meus filhos, mas não tem tido a frequência que teve noutros tempos.

Num primeiro momento e ainda em férias em 2013, utilizei a bicicleta como forma terapêutica, pois, ao contrário do que poderia ser expectável e do que todas as pessoas à volta me diziam e/ou recomendavam em sentido contrário, pedalar não agravava a dor; pelo contrário, foi-me ajudando a manter a atividade, a alongar bastante bem depois de cada passeio e a ganhar confiança.

E continuei, sempre, entusiasmado, como quando em criança descobri a bicicleta e a liberdade que permitia.

Desde há três anos que tento participar, com pouca disponibilidade,  diga-se, na dinamização de uma organização chamada “Randonneurs Portugal” que promove eventos de “pedalar para longe”, com regras internacionalmente definidas e cujas iniciativas são designadas de brevet randonners mondiaux, os BRM.
Os BRM são eventos de 200, 300, 400, 600, 1000 ou 1200 quilómetros, em autonomia, onde os Randonneurs participantes podem auxiliar-se, mas sem apoio externo.

E assim, após as três primeiras semanas de recuperação do forte episódio que referi acima, em que não mais tive problemas (desde essa altura nunca mais tive qualquer reincidência), continuei a pedalar, entusiasmado e a aprender uma nova forma de movimento.
Estabilizei nas três ou quatro sessões semanais (um dia geralmente à noite durante a semana; quando posso, dois) e as manhãs bem cedo de sábado e domingo, como quando corria.
Desejava fazer um primeiro BRM de 200km em outubro do ano passado, mas não foi possível por coincidir com a festa de aniversário da Rita.
Continuando sempre a pedalar comecei o ano de 2014 com uma primeira aventura de 100 km, para ver como me sentia. Perto de casa, entre a Expo e a boca do inferno em Cascais, fiz um circuito nessa distância e consegui. Decidi aí fazer um BRM de 200 km em janeiro, e depois deste, um outro em fevereiro (a seu tempo cá estarei com a descrição destas duas aventuras).
A partir daí não tinha mais objetivos a não ser pedalar por prazer e continuar a aprender em cima da bicicleta, desfrutando dos passeios, sozinho ou com os meus Amigos domingueiros. A minha GIANT, que me custou 100 contos em 1991, na altura 2 ordenados de professor de natação, e que pesa 14 kg, é um misto de BTT com urbana e não deixava, pensava eu, margem para grandes aventuras para além dos 200km.

Mas … e o início desta aventura rumo ao Sotavento, como qualquer outra, tem sempre um mas ou um “era uma vez”, …, no final do primeiro BRM de 200k um Randonneur chamado Rui Rodrigues contrariou a minha versão de que 300 km só com uma bicicleta de estrada. Referia na altura o Rui que, “porque não …”, apenas com uns retoques, era perfeitamente fazível.
Ficou-me na memória. E há cerca de 3 meses decidi que tiraria um dia de férias só para mim, para vir de bicicleta para junto da família no sotavento algarvio.

Havia que escolher o percurso de acordo com os requisitos: fazer uma etapa única, tendo como referência o tempo de 20 horas, o limite para concluir oficialmente um BRM 300km. Ouvidas várias opiniões optei pelo percurso menos longo, que me foi sugerido pelo Pedro, e que perfez 306 km desde a saída de casa até à chegada.

O dia chegou, tudo correu muito bem, foi um processo de grande intensidade, de grande aprendizagem, de grande felicidade e realização. Foi planeado ao pormenor (algum pormenor apenas, …), tive bastante sorte com o tempo (vento de noroeste e o calor a dar algumas tréguas – máxima de 34 graus entre Beja e Mértola), mas foi sobretudo o resultado de um trabalho continuado e bem realizado de treino e preparação em qualidade, com alguma quantidade – realizei nestas últimas semanas três treinos de 100 km, uma com bastante desnível – a preparar a serra do parque natural da reserva do Guadiana e Mértola; outra noturna – a preparar o final; outra no pico do calor – para preparar Beja e Mértola. Foi essencialmente o resultado da continuidade e da acumulação de passeios – no espaço de 1 ano já pedalei mais de 6.500 km e essa é a principal razão para ter conseguido fazer estes 300km numa única etapa, duas horas mais rápido do que havia planeado e com as pernas e o rabo em boas condições.

Descreverei aqui cada uma das etapas com os seus detalhes, delícias e pormenores.
Para já, está feito, valeu, não apenas, ou não exclusivamente pela felicidade no final, que como qualquer momento de felicidade, se esvai rapidamente, mas por todo o caminho, pela aventura, pelas histórias para contar, pelas perspetivas futuras.

Um agradecimento, desde já, a todos os que me ajudaram nesta aventura.
Para já à malta cá de casa, porque sem qualquer receio sabiam que ia conseguir e também têm a paciência para aturar as saídas por vezes mais longas.
Ao Pedro e à Filomena pelo bicho que tomou conta de mim, e ao Pedro em particular pelo mentoring e ensinamentos permanentes e pelo espírito – o espírito que interessa.
Ao Nuno e Carlos pelo incentivo e pelos passeios de domingo. Ao Pedro BD por todo o ensinamento, partilha e afinação da bicicleta. Ao Paulo M. pelo vaticínio de que a seguir aos 200k começaria logo a pensar nos 300 km J.
À malta Amiga que foi desejando boa sorte.
Aos vários Randonneurs com que me tenho cruzado, pelo exemplo e partilha.
Naturalmente ao Rui, que sem saber, foi uma alavanca para esta aventura.
E ao longo do dia do longo passeio, um obrigado ao Pedro, Nuno e Luís, por toda a força, partilha e ouvidos.

Mais aventuras estão à espera, mas para já é continuar a pedalar e passar por aqui para contas em 6 etapas as peripécias deste dia.

domingo, 6 de julho de 2014

Plano traçado

estou quase a completar 6.000 km de pedalada, desde o dia 5 de agosto de 2013.
devagarinho, tartarugando, lá se vão acumulando passeios e fortalecendo os gémeos.

duas vezes 200 quilómetros, uma dúzia de vezes com 100km, deixaram-me o bicho dos desafios longos.

o próximo é este:

300 km Algés - Algarve





Hora saida km Total km
alges 05:45:00 0
Terreiro Paço 06:30:00 12 12
cacilhas 07:00:00 12
setubal 09:30:00 39,7 51,7
troia 10:30:00 39,7
canal caveira 14:00:00 56,1 107,8
beja 17:30:00 61,2 169
mértola 20:15:00 52,5 221,5
vila real santo antonio 00:30:00 66,4 287,9
"a banhos" 02:00:00 18,1 306

o plano está traçado!
haja pernas e sobretudo diversão!
:)

sábado, 5 de julho de 2014

A primeira ... sempre a primeira vez

hoje foi dia de subidas, duras subidas, um excelente treino.
a zona escolhida foi barcarena.
saí de casa por carnaxide pelas 7:00am, direito a valejas e o primeiro desafio foi a rampa de valejas para queluz de baixo.
já a fiz várias vezes, vai ficando mais habitual e fácil, mas ainda assim tira o fôlego. é sempre uma primeira vez mais conhecida e familiar.
a partir daí entre queluz, fábrica da pólvora e barcarena, andei às voltas à espera do nl.
uma primeira abordagem enquanto esperava foi subir barcarena para vila fria.
também nada de novo e com uma estratégia já feita de experiência, custou um pouco menos do que das outras vezes.
passado um pouco e já com companhia, mas uma, desta feita, barcarena-queluz de baixo.
uma primeira vez, dura, desafiante, que deu para a conhecer, com prazer e algum sofrimento.
nova ronda pela fábrica da pólvora e novamente a subida de barcarena para vila fria.
com uma mudança de ritmo, um pouco mais suave, ainda se tornou um pouco mais fácil do que antes.
a partir daí seguimos para oeiras, paço d'arcos e marginal para perto do mar, o regresso a casa junto ao elemento primeiro, sempre o regresso, sempre a água.
era dia de muitas andanças com a rapaziada e com a Rita.

de cada vez que subimos a pique ou escolhemos um trajeto novo, pela primeira vez, subsiste sempre esse gosto pelo desconhecido, pela descoberta.
de regresso, é sempre como se fosse uma primeira vez, pois toda a experiência anterior permite vivenciar de forma diferente cada nova passagem por sítios antes percorridos.
mais fácil ou não, não importa, a experiência seguinte é sempre acumuladora de mais prazer e de outras, novas, vistas.

depois ... outra primeira vez, pela terceira vez!
foi dia da Rita ter a sua primeira bicicleta com rodas.
admirável mundo novo, tal como com o Rodrigo e André, é uma felicidade ver o brilho nos olhos, o apego ao novo brinquedo, o êxtase com este novo mundo, com a possibilidade de ser livre e não depender de uma cadeira que o pai carrega na sua bicicleta.
hoje foi dia de descoberta, para mim e para a Rita. por motivos diferentes. mas certamente com a mesma alegria da meninice de quem desfruta da liberdade do movimento, da aventura e de todas as possibilidades.