domingo, 4 de maio de 2008

Domingo - 4 de Maio

Elas são as mães:
rompem do inferno, furam a treva,
arrastando
os seus mantos na poeira das estrelas.

Animais sonâmbulos,
dormem nos rios, na raiz do pão.

Na vulva sombria
é onde fazem o lume:
ali têm casa.

Em segredo, escondem
o latir lancinante dos seus cães.

Nos olhos, o relâmpago
negro do frio.

Longamente bebem
o silêncio
nas próprias mãos.

O olhar
desafia as aves:
o seu voo é mais fundo.

Sobre si se debruçam
a escutar
os passos do crepúsculo.

Despem-se ao espelho
para entrarem
nas águas da sombra.

É quando dançam que todos os caminhos
levam ao mar.

São elas que fabricam o mel,
o aroma do luar,
o branco da rosa.

Quando o galo canta,
desprendem-se
para serem orvalho.

O sorriso
é para as criança
que pressentem nas fontes.

Só elas conhecem
a morte
pelo cheiro da sombra.


Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede

1 comentário:

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

São de Eugénio de Andrade as palavras.

À medida que as lia, sorvia-as e pensei que poderiam muito bem e com toda a naturalidade, ter saído de António Bento.

Um beijinho
Ana Pereira